quinta-feira, 11 de julho de 2013

Guest post: Quanto cabe em uma cadeira?


Hoje eu gostaria de falar sobre uma coisa que está cansada de ser vista como algo - apenas - material, uma coisa muito importante:
a cadeira.

A cadeira de madeira foi construída com algo que um dia foi vivo, descendente de outra coisa que, há bilhões de anos, surgiu da organização de coisas não vivas.

Essa organização também deu origem ao homem, que, por sua vez, construiu uma cadeira de madeira, que foi retirada pelo madeireiro, que recebeu uma quantia irrisória da madeireira pelo seu trabalho, que vendeu a cadeira de madeira, que foi comprada por outro homem, que colocou a cadeira para vender em sua loja, que recebeu alguém interessado na cadeira, que foi comprada e posta em sua sala de jantar com mais cinco iguais.

O valor atribuído às diferentes cadeiras também é um ponto importante.

Por que cadeiras forradas de ouro fizeram reis na Europa e cadeiras de plástico amarelas fazem bêbados?
Será que é apenas porque ouro é coisa rara?
Não existem tantas outras raridades esquecidas, subestimadas e até mesmo inúteis?

Acho interessante o fato de o ouro parecer muito com pedaços do sol. As pessoas olham para aquela coisa brilhante e a desejam de uma forma que, para elas, é a única maneira de alcançar o sagrado: coletando pedacinhos de algo destituído de sentido naturalmente. E aqui entra a simbologia do sol.

Já que uma cadeira forma tanto reis quanto bêbados, também podemos dizer que forma crianças, forma velhos, forma professores e forma alunos, forma pintores e forma médicos, forma Deus e forma o Diabo, forma um ator e forma uma boneca de pano.

Cadeiras são sabidas, menos por escolha do que por condição.

Uma cadeira de um cinema movimentado recebe tantas pessoas diferentes por dia (e com tantas opiniões, atitudes e vidas diferentes), que podemos dizer que a Cadeira é cosmopolita. E (agora falando especificamente das do cinema) ela não sai do lugar. Imagine quantas origens diferentes, famílias, ascendências, histórias, relacionamentos, formas de se vestir e de falar, gostos, conhecimentos e informações fazem parte daquele lugar. Uma menina de cabelo azul que veste preto e escuta música erudita, que gosta de sorvete de frutas silvestres e que tem dificuldades para dormir.


Essa menina, ao sentar, dá à cadeira o privilégio de viajar no tempo e no espaço. E a cadeira descobre que seus pais são cariocas, que seu avô é alemão e a sua avó é descendente de índios e tocava violão, que teve um pai pescador nascido numa noite escura no meio da Floresta Amazônica, e que sua mãe morreu no parto. Que a parteira era uma negra que foi morar no norte depois que seu marido morreu, e se mudou para o meio da floresta onde aprendeu a pescar, a caçar e a rastrear, filosofando nas horas vagas. E aí, numa epifania, a cadeira percebe que tudo faz sentido quando descobre que a negra não teve filhos.

Dessa forma, podemos até dizer que existe o estereótipo cadeira. O estereótipo cadeira é representado por você, por internautas, por gente que conhece o Mundo palmo a palmo sem sair do lugar, e de várias perspectivas diferentes.

A Cadeira é instituição. A Cadeira tanto forma como também é transformada pelas pessoas. A Cadeira é um dos seres não vivos mais informados que existe, porque ela está em todos os lugares. Cada pessoa que senta na Cadeira a inserta em seu Mundo, e lhe presenteia com olhos. A Cadeira tudo sente. A Cadeira sabe quando você está triste, quando você quer dizer alguma coisa e não diz, quando você está esgotado, quando você não gosta de uma pessoa e quer que ela se afaste, quando você está com fome e quando você está sonhando acordado. A Cadeira é, antes de tudo, sua melhor amiga. Ela te conhece perfeitamente, você querendo ou não. A Cadeira aceita você mesmo que não aguente seu peso, e ela se deixa quebrar por tentar ajudar de alguma forma. A Cadeira nunca vai querer seu mal. E, apesar de presa, a Cadeira liberta qualquer pessoa que se senta nela. Porque, ao segurar você, a Cadeira junta seus olhos na ponta do seu nariz. E você vê tudo.

Mas, ainda assim, por tudo isso ser só uma simbologia, a cadeira é destituída de valor.
E ainda que eu fale dessa forma sobre ela, vão existir aquelas pessoas que dizem: “Ah, mas, no fim das contas, é só uma cadeira.”

E aí eu digo: “Sim, é só uma Cadeira.”

2 comentários :

  1. Parabéns pela estrutura e todo conteúdo do site!
    Muito interessante.
    Forte abraço.
    (artesanato em mdf)
    Faça-nos uma visita quando puder www.centralcaixas.com.

    ResponderExcluir