quarta-feira, 5 de março de 2014

Puta!

Interpretação de Gilda no II Festival Anual de Múltiplas Sexualidades, foto de Luan Dias




Puta, era para mim a palavra mais hedionda de todas as palavras. Lembro que moleca, fazendo a catequese, estava brincando com um terço na boca e minha amiga me chamou de "herege", fiquei tão ofendida que para devolver tamanho insulto a chamei do nome proibido: Puta. Mal terminei de falar e já estava arrependida, senti como se tivesse falado o maior dos impropérios, ela também. Ela chamou a coordenadora para me punir, mas já não era preciso, já estava aos prantos, a minha vergonha de ter usado a palavra mais errada de todas pela primeira vez era maior do que a bronca da coordenadora. 
É engraçado como uma menininha de nove anos pode ser muito mais inteligente do que muitas de vinte. Naquele tempo eu sabia que essa era a pior palavra do mundo, mas hoje eu sei o motivo. E é um motivo simples, até, veja só: porque desqualifica. Mas ela não desqualifica só, "Burra" também desqualifica, mas ela diz que você não serve porque serve demais. Serve o quê ? O corpo. Então puta além de desqualificar-nos nos associa diretamente ao fazer do corpo. Sexo é um dos fazeres do corpo, e uma das dimensões da vida, mas não é tudo, então resumir uma mulher à Puta é dizer também que ela é só corpo e sexo e objeto. Reduzir uma mulher a sua conduta sexual é exatamente o que o machismo quer, porque apropria esse corpo, ou melhor desapropria ele. 
Tem outra coisa que o sexismo quer muito: mulheres disputando homens, e se afastando em decorrência disso. Não tem nenhum empreendimento mais fundante para a manutenção do sistema patriarcal com todos seus ismos do que manter as mulheres como inimigas e/ou concorrentes, nunca como parceiras, amigas, confidentes. 
Tenho o desprazer de dizer que já briguei por amor alheio, e já chamei uma pessoa de "Puta", me arrependo. Antes de saber, é claro, que o Amor é um modo de Estar no mundo, e de Estar com o outro, não nada que se possa personificar. A personificação do amor, aliás também o transforma junto com o sujeito amado em propriedade, e gera pilhas de papel e vil metal. 
Hoje eu não brigo mais, mas o estigma ainda me persegue. 
Hoje fui acusada mais uma vez de ser Puta. E pela primeira vez desde o meu primeiro sutiã isso não doeu, pelo crivo moral, porque "OH MEU DEUS O QUE VÃO PENSAR DE MIM???", doeu ser reduzida a isso, não ser isso. Puta eu sou.
E eu entendo. E até concordo, ué. Puta é uma palavra multifacetada, eu também sou. Puta é uma palavra subversiva, eu também sou.
 Madalena encarno, sem maiores questões, e sei ser Jesus de mim, também. 
Me gosto assim. 

3 comentários :

  1. Maravilhosa reflexão. Amo tuas palavras, elas parecem rasgar estereótipos e abrir um novo leque de visões. To vasculhando o site inteirinho :)

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    1. Que bom, Rafa! Vamos seguir em luta, rasgando tudo que for preciso, inclusive o verbo! <3

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    2. [...] e o verbo se fez [...]

      Texto justo e agradável, ser lindo. (:

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