sexta-feira, 29 de março de 2013

A problemática em torno do aborto

     A complicação em falar do tema começa com a polêmica ao redor do mesmo. Falar em aborto é ter de escolher entre dois lados e ser incompreendido pelo outro. O problema é que, enquanto ocorrem as discussões infindáveis em redes sociais e fóruns, as mulheres continuam arriscando suas vidas para conseguir abortar. Podemos abordar a questão com uma visão religiosa, filosófica, moral, ética... Porém, não deve-se esquecer que é uma questão prioritária de saúde pública. Um ato ilegal que custa a vida de várias mulheres ano após ano.
     "Não quer morrer, não aborte". Esse tipo de comentário é majoritário nas discussões sobre o tema. O que deve ser entendido é que: as mulheres abortam. Ponto. Esse é o problema. Elas não vão deixar de abortar por questões religiosas, morais, filosóficas. Então esse tipo de argumento simplesmente não resolve o problema. O que deve ser pensado, a partir daí, é: quem morre, por que morre e em que condições sociais está quem morre.



     Primeiro: as mulheres morrem. Depois de todo o preconceito sobre elas, ainda não tem o direito básico de decidir o que fazer com o próprio corpo. Eu imagino que, se os homens engravidassem, esse post não existiria e muito menos esse tipo de discussão. A falta de liberdade das mulheres é histórica e continua sendo reforçada socialmente pelo machismo e pela sociedade patriarcal. É muito complicado falar sobre qualquer ação polêmica em torno da mulher sem citar a opressão que estas sofrem.



     Segundo: as mulheres morrem porque os abortos são feitos em condições precárias. Quão caro custa quebrar a lei? Muito caro. As opções mais baratas não são seguras e são responsáveis pela grande maioria das mortes. O aborto, em si, é um procedimento muito simples.
     Terceiro: as mulheres morrem porque os abortos são feitos em condições precárias, já que elas não podem pagar mais caro em clínicas boas. Então o problema já chega a outra esfera. Se quem tem condições pode abortar sem sofrer com as consequências, só porque tem mais dinheiro, a proibição atinge quase que em totalidade as mulheres de classe mais baixa.
     Como foi visto na declaração da CFM essa semana, é inaceitável que essas mulheres continuem morrendo.
     "A realidade dos fatos mostra as mulheres fazendo aborto com uma grande iniquidade. As ricas em condições seguras e as pobres, totalmente inseguras. E elas [as pobres] é que estão enriquecendo as estatísticas de mortalidade e de morbidade. Ou seja, as complicações, perdendo útero, perdendo partes do intestino, morrendo. Isso que não é possível. Essa desigualdade é inaceitável do ponto de vista médico"
     Ou seja: é um problema médico. De saúde da mulher. A religião não tem nada a ver com isso. Na verdade, é muito simples adaptar o pensamento religioso à uma legalização. Se tua religião condena o aborto, não faça um. A laicidade do Estado permite que você tenha a liberdade de defender o que sua religião prega, mas não te dá a liberdade de impor isso às outras religiões. Isso, claro, está na teoria. O que vemos na prática é um quadro absurdo e chegando próximo a um Estado teocrático.
 Acho válido acrescentar que um Estado Laico não existe para defender o Ateísmo, não existe para reprimir religião alguma ou para fomentar "cristofobia" (que, sinceramente, não existe!). A laicidade está aí para defender que cada um tenha a sua religião, possa viver de acordo com ela e não seja obrigado a viver sob regras que não lhes apetecem. É só pensar de forma mais clara pra notar que é a melhor forma para que ninguém saia oprimido.
      Outro adendo (na verdade, uma crítica) que ouso fazer é que, se você se diz pró-vida e defende a proibição do aborto mas faz um discurso de "bandido bom é bandido morto" e defende a pena de morte, está sendo hipócrita. "Ah, mas o feto é inocente". Não, não é. O feto não é absolutamente nada. Ele é potência. Pode vir a ser inocente, pode vir a ser criminoso, pode vir a ser um câncer de útero. Acredito que devemos defender a vida de quem já possui laços, família, personalidade e está inserido na sociedade.

    Essa postagem não tem a intenção de te convencer de qualquer coisa. Estou apenas esclarecendo alguns fatos sobre o aborto e citando alguns argumentos dos dois lados da questão. Se você é contra ou a favor e sentiu-se ofendido, fique à vontade para argumentar seu ponto de vista nos comentários.

Links úteis: http://www.thisismyabortion.com/pt (Esse site ficou famoso após desmistificar todas aquelas imagens de bebês minúsculos sendo destroçados. É assim que o seu "bebê" parece ao ser abortado dentro da viabilidade (3 meses), em que é permitido)

7 comentários :

  1. Muito bem colocada a questão. É uma pena que o Brasil esteja sufocado pelo véu da moral religiosa, fazendo com que questões como aborto não possam ser encaradas e analisadas de uma forma um pouco menos dogmática e mais humana. Acho difícil o Brasil avançar nesse sentido, com pouco investimento em educação, a bancada evangélica e ironia do cargo que o pastor Feliciano ocupa, isso mostra que num sentido ético e político o Brasil caminha para trás. Continue questionando e analisando essas questões polêmicas de sentido moral! O mundo de hoje precisa de mais pessoas assim! :D

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  2. Bom texto.

    O meu problema com a religião começa quando os religiosos tentam naturalizar questões que são, na verdade, historicamente construídas (como o machismo) e quando travam questões sociais (como o aborto e a clonagem).

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  3. Tiane e equipe, questão polemica, ótima para acabar com o churrasco do fim de semana. A primeira célula, originaria não é vida? Ouvi dizer que algumas tribos de índios sacrificavam crianças nascidas com má formação, embora vivos, não eram produtivamente interessantes, tipo come dormes, práticos não? A propósito, nos documentários não vejo nenhuma criança com má formação. Uma vez vi uma moça no ponto de ônibus, perto de uma favela, perguntando a outra sobre determinado chá pra abortar, barriga já bem visível, eu interferi, propondo que em vez de abortar ela deixa-se nascer e o pusesse na porta de alguém ou doasse a órgãos, deve existir, que se encarregaria de encaminha-lo para doação, tanta gente querendo desesperadamente um filho e não pode conceber e vive frustrado, parece tão fácil, porque ela não. A mãe em questão respondeu-me: - Ah, depois que ele nascer não vou ter coragem. Alguém falou uma coisa obvia, "só quem é a favor do aborto é quem tá vivo". É, algo a se pensar...

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    1. (Vou tomar a liberdade pra fazer um pequeno comentário-resposta aqui no território da Nat)

      Sim, só quem é a favor do aborto é quem está vivo, e é exatamente por isso que o defendemos, o feto não está vivo, nós estamos! Quem devemos priorizar? A mulher que já tem uma vida, uma história, que já sente, que já é alguém ou o feto que, como a Nat disse no texto, é potência?

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    2. Entendo seu ponto, mas "só é a favor do aborto quem está vivo" não é argumento, ou já houve algum caso de feto dando opinião em relação a ser abortado ou não? Como você disse, a moça já estava com a barriga visível, logo já tinha passado dos três meses de viabilidade que eu disse acima. O feto dela já tinha sistema nervoso formado, e sim, seria considerado uma vida. Antes dos três meses simplesmente não há sistema nervoso. Lembre das aulas de biologia e do estágio dos animais sem sistema nervoso. Eles não sentem nada, não são nada. Parece cruel, no nosso caso, porque nós somos humanos e um feto é, como eu disse, uma potência de ser-humano. Mas é uma questão de prioridades. A mulher já é um ser-humano formado. Acredito que a decisão dela tem que ser levada em consideração.
      E, utilizando do seu próprio argumento, "só é a favor do aborto quem está vivo" e que vai ter a vida prejudicada por uma criança em potencial. O dia que um feto de três meses puder dar opinião (o que é impossível, porque não.tem sistema nervoso), eu paro pra ouvir e considerar o que ele tem a dizer. Tirando isso, é só na vida de quem tá vivo mesmo que o aborto interfere. E é quem está vivo que tem que ser a favor/contra e dar opinião sobre um assunto que é tabu e continua matando as mulheres. Desculpa me alongar, espero que meu comentário não te ofenda, mas acredito que você também possa considerar e ver as falhas na sua argumentação.

      (Qual foi a importância de salientar que a moça estava num ponto de ônibus perto da favela? Só pra saber...)

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Natalia, não estou ofendido, de forma alguma, ofendido de que! Uma opinião diferente só me acrescenta. Minha admiração, por vocês, só cresceu, e pelo blog inteligente e bem diversificado. Mantenho, a princípio, a mesma opinião, considerarei essas informações que você me deu, confesso desconhecer esses detalhes. Quando está em jogo por uma razão qualquer, a vida da mãe ou do filho, por uma complicação qualquer na hora do parto, nessa situação extrema, quando se tem de optar, é clássico, é lógico, optar pela vida da mãe. Quanto à questão de ter evidenciado o ambiente da favela, da qual a moça certamente era moradora, tem tudo a ver. Queria me referir, implicitamente, a questão do baixo poder aquisito, do baixo nível de escolaridade, ela como um produto do meio. Sem que isso denote, de forma alguma, alguma atitude preconceituosa, moro também no subúrbio, num bairro pobre e vejo diariamente certos episódios, uma falta de planejamento familiar terrível: mães pobres na idade de vocês, verdadeiras fabricas de menores abandonados, potencias futuros infratores, chás criminosos, abortos clandestinos, relatos de fetos sepultados de madrugada nos fundos dos quintais, em nome da vaidade, fruto da irresponsabilidade de mães e pais imaturos, vitimas ou algozes, não sei, só sei que é como diz aquele ditado batido: “a criança não pediu para vir ao mundo”. Claro que há situações extremas, justificáveis, como nos casos de estupro, má formação... O que deve prevalecer, acima dessas questões de pro ou contra, é que antes de fecundar, deva haver um mínimo de bom censo, planejamento, extremo cuidado e respeito pela vida humana.

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