quinta-feira, 21 de março de 2013

O que a existência das redações problemáticas revela sobre a sociedade brasileira

Com a popularização da internet - principalmente de sua possibilidade de uso, uma vez que há uma década somente a elite do país possuía o pleno domínio e capacidade financeira para arcar com essa forma de comunicação -, o fluxo de informações adquire uma fluidez quase utópica sob a concepção da massa populacional dessa mesma década passada. Se a construção de Brasília sob o modelo de Versalhes objetivava o fim de interferências populares na política (as revoltas e atentados contra políticos quando situados no Palácio do Cadete se dissiparam com a transferência da capital brasileira para longe dos maiores contingentes populacionais), a internet vai de encontro a isso: permite a livre obtenção de informação e a interação da sociedade entre si, superando as distâncias geográficas.
É nesse contexto que se discute a validade do Exame Nacional do Ensino Médio. Um dos assuntos mais comentados da semana foram os textos divulgados pelo jornal O Globo, nos quais erros gramaticais absurdos e argumentações baseadas em hinos e miojos receberam notas absurdamente altas quando comparadas às recebidas por alunos que passaram um ano de suas vidas estudando e se empenhando para alcançar o chamado "bom texto". É claro que a comoção popular foi imensa. É claro que todos se indignaram. E também é claro que todos nós ficamos impossibilitados de agir, ao mesmo tempo em que nos enchemos de orgulho patriota para criticarmos Cuba e exaltarmos nossa democracia.
Milhares de estudantes não ingressaram na Universidade por conta dessa mesma redação. Eu mesma me incluo entre eles. Pretendo fazer Medicina e passarei mais um ano estudando por ter recebido uma nota um pouco maior do que o participante que compartilhou com o Brasil suas habilidades gastronômicas - e tantos outros que não foram divulgados.
Pior ainda é que o Ministério da Educação defende a correção das provas, dizendo que os erros ortográficos são aceitáveis (no caso, dignos de alcançarem nota de excelência) e os conteúdos argumentativos das outras redações citadas foram "fortemente penalizados". Tudo isso virou motivo de riso para a população. E sabemos que eleger um palhaço para um cargo público não é um protesto, é uma rendição. Nos acostumamos tanto a abaixar a cabeça que mesmo quem se indigna com a situação e queria transformar isso em algo prático se encontra impossibilitado e sufocado pela própria incapacidade de ação. Passamos a viver em uma claustrofobia constante gerada pela política.
E assim é nossa democracia, nossa tão exaltada democracia. Votamos, mas não escolhemos. O número de miojos e hinos é cada vez maior - não como os autores dos textos, que possuem capacidade crítica e intelectual suficiente para por em cheque a validade das correções das provas. Os miojos de verdade estão lá, no ensino superior, assim como pessoas que publicarão testes que serão reprovadas já mesmo na fase gramatical. É claro que estão também pessoas de qualidade, porém é impossível desconsiderar a duvidosa e falha futura massa intelectual do país. Mesmo as grandes universidades que se opunham a esse processo seletivo tiveram de se submeter a ele - caso contrário perderiam 45% em investimentos. Um viva à democracia.

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