A invenção da família, junto com a
propriedade privada, a privatização das bucetas e dos filhos e das terras e de
tudo que é frutífero - como as vidas - é uma invenção que encarcera pessoas
através de vários períodos históricos, porque foi uma invenção tão boa para os
opressores que ela foi reproduzida em diferentes sistemas políticos e
econômicos. Pelo simples fato dela funcionar como instrumento de apoderação,
apoderação do masculino sobre o feminino, apoderação étnica, apoderação de
classe. Ensinam-nos desde pequenos a respeitar e honrar nossos familiares, mas
o que isso realmente significa? O que realmente está implicado nesse processo
de criar vínculos afetivos, baseados em vínculos consanguíneos?
Não estou aqui para falar mal das
múltiplas configurações familiares atuais, funcionais, estou aqui para falar do
modelo de família hegemônico, da alegoria familiar e do seu potencial para
institucionalizar os corpos. Antes das outras instituições, a família é que
primeiro nos digere. É no seio familiar que aprendemos a sentar como moça,
falar como homem, se comportar como uma mocinha, não chorar como uma mocinha.
Reunimo-nos em torno de mesas diversas,
ano após ano, celebrando famílias quebradas, desconhecidos vinculados
simbolicamente, tudo baseado numa moral cristã falida. Lembro-me de sempre
pensar quando criança: “Por que a gente tem que amar essas pessoas só por
sermos da mesma família?". Não temos - hoje eu sei - mas podemos se
quisermos. É a obrigatoriedade da organização familiar que deveria ser pensada
mais criticamente.
As famílias, e sua organização
anacrônica e obrigatória, podem causar mais danos do que benefícios. Não é a
toa que a Psicanálise vende tão bem na nossa sociedade. A Psicanálise também
compra o discurso familiar, e também vende. Faz parte de uma organização social
de época o agrupamento familiar e que por pertencer a sociedade, também é um
discurso de poder e - principalmente - apoderação. Não estou aqui depondo
contra a necessidade, até evolutiva, para quem gosta de olhar as coisas desse
prisma, de estarmos cercados de gente, de criamos laços afetivos, somos seres
sociais, é verdade. O que nós não podemos ignorar é que somos também seres
políticos e somos envolvidos por discursos de poder, que não dando liberdades
reais a ninguém, cerceia mais a uns do que a outros.
Família é quem você escolhe pra viver, família é quem você escolhe pra você. Não precisa ter conta sanguínea, é preciso sempre um pouco mais de sintonia.
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